sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Confira o artigo do professor Pio Penna Filho



A Vez da Espanha

Pio Penna Filho*
 
Existem certos comportamentos que são intrigantes. Essa semana o embaixador espanhol no Brasil, Manuel de la Cámara, reclamou que os seus patrícios estão encontrando uma série de dificuldades para conseguir vistos de trabalho para o Brasil. Ora, pois, soa até engraçado, senão vergonhoso, que justamente o representante da Espanha nos venha com essa reivindicação.
De acordo com o Itamaraty, a Espanha barrou, apenas em 2011, 1.402 brasileiros que tentaram entrar ou passar pelo país. Viajar para a Espanha, ou mesmo passar pela Espanha, virou um grande desafio para os brasileiros nos últimos anos. Aliás, para alguns um verdadeiro martírio. 
As autoridades espanholas não mediam esforços para colocar restrições foram tomadas medidas draconianas com o único objetivo de dificultar o trânsito ou a entrada de brasileiros no país ibérico. E não vale dizer que era uma regra europeia, haja vista que não temos registro de tantas dificuldades e arbitrariedades em outros países europeus.
Na Europa, comparável à Espanha, apenas Portugal colocava tantos empecilhos para a entrada de brasileiros. Por ironia da história, esses dois países ibéricos estão hoje diante de uma crise de grandes proporções e querem, agora, um tratamento “digno” e facilitado para os seus cidadãos acessarem o mercado brasileiro.
Voltando ao caso espanhol, vale lembrar e destacar que o simples trânsito de brasileiros pelo país era motivo de grande apreensão. Não foram poucos os casos de abusos de autoridades espanholas que deixavam pessoas detidas por vários dias no aeroporto de Barajas.
A Espanha é um país soberano e tem todo o direito de determinar quem pode ou não entrar em seu território, quem é ou não desejável. O que argumento nesse artigo é que os espanhóis deveriam ser, pelo menos, um pouco mais coerentes. Se optaram por uma política imigratória excludente e discriminatória para com os brasileiros, não deveriam ficar agora reclamando das dificuldades de obtenção de vistos no Brasil para os seus jovens e, aparentemente, desiludidos jovens.
Quando a opinião pública brasileira pressionou o governo e fez o Itamaraty se movimentar, os espanhóis não demonstraram tanto interesse assim em solucionar o problema. As reuniões de alto nível, quando aconteciam, não resultavam em avanços concretos. Nisso, ficou evidente também a falta de interesse do Itamaraty em pressionar com mais determinação a Espanha. O problema acabou sendo encaminhado mais pela desistência das pessoas em ir para a Espanha do que por iniciativas diplomáticas brasileiras.
Foi somente após o governo brasileiro, sob pressão da sociedade, anunciar medidas de reciprocidade e depois de algumas deportações que a Espanha se sensibilizou para o assunto e decidiu flexibilizar as regras para a admissão de brasileiros em seu território. Mesmo assim essa medida veio tarde demais.
Diante das reivindicações espanholas é bem possível que o nosso Ministério das Relações Exteriores resolva ceder e revisar as regras para a entrada de espanhóis no país, flexibilizando-a. É uma vergonha, mas infelizmente não podemos esperar muito do Itamaraty quando o assunto diz respeito aos países europeus. Fosse a Espanha um país africano, por exemplo, e certamente não haveria piedade.





*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

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